segunda-feira, 2 de agosto de 2010

This is time for Africa


O Mundial de Futebol (finalmente) acabou… E, quando já mais ninguém fala disto (porque já foi há algum tempo), venho eu! Acabaram as vuvuzelas, as histerias, a total monopolização da comunicação social para o tema e, sobretudo, o mundo voltou apenas a ser constituído pela Europa Central, América, China e Índia! Já não é, de novo, o tempo da África do Sul e, creio eu, tudo e todos voltaram ao seu lugar e rotina habitual.

Não, não vou falar dos milhões futilmente gastos, das bagatelas em volta de tudo aquilo, da loucura e preocupação das pessoas em torno do mundial…. Apesar de tudo isto me continuar a ultrapassar, algo ainda mais preocupante prendeu a minha atenção neste mundial. Refiro-me à forma como considero que o povo africano foi ilusoriamente levado a pensar que, por obra e graça do espírito futebolístico, iriam passar de país em vias de desenvolvimento para o país das maravilhas (muito evoluído e com um nível de qualidade de vida extraordinário). Obviamente, a competição foi um chamariz. Durante uns meses, o universo girou à volta da África do Sul. Isto proporcionou-lhes a oportunidade de se mostrarem e de publicitarem aquilo que eles e o seu país têm para oferecer. Histórias foram contadas, costumes partilhados, lugares vistos… Foi bom para o turismo e os animais das savanas, foi bom para os comerciantes. Mas serão estes benefícios sentidos a longo prazo? Terá sido a verdadeira África do Sul mostrada? Ou vimos apenas aquela que foi pintada com as cores do mundial? Não estaremos a ser presunçosos demais ao pensar que em meia dúzia de meses desvendamos e resolvemos os mistérios e os problemas de décadas?

O Mundial de Futebol acabou e, com ele, as novas de África do Sul… Será que ainda existe? Nunca mais ouvi falar nela… Será que aquele senhor que cortava o cabelo no meio da rua tem agora um estabelecimento? Será que as visitas às savanas continuam? Será que com o mundial foi dada a oportunidade às pessoas de lá para investirem no desporto e usarem os estádios que foram construídos? Acabaram as explorações, as injustiças e a descriminação?

Vou aguardar notícias, pode ser que alguém durante o mundial se tenha lá esquecido de alguma coisa. Pode ser que um dia esse alguém lá volte para procurar o perdido….

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Insónia


“Acordei”, hoje, com um emaranhado de palavras na cabeça. Acho que se um dia escrevesse um livro, um romance, poderia assim começar:




Hoje é só mais uma sexta das infindáveis e monótonas sextas da minha vida. Levantei-me e decidi entrar numa qualquer camioneta e partir… Não para longe, não para sempre. Partir apenas para um local que não fosse aquele, durante apenas algumas horas, algum sítio onde pudesse estar comigo com algo que sentisse que era meu. Não conhecia nenhum sítio assim! Muito menos nesta cidade triste, abandonada, desumana e degradada onde vivo! Contudo, parti pensando que qualquer coisa que me levasse dali iria ser algo bom.


Entrei na camioneta, um dia complicado hoje, onde todos os que saem à rua se juntam num mesmo sítio em busca da mesma coisa. Apesar de me incomodar profundamente decidi que queria passar pela confusão, apenas para a observar e tentar descobrir se, no meio de tudo aquilo, haveria lugar para mim.


Cheguei ao destino e sai. A multidão tentava arrastar-me, mas eu consegui afastar-me e ver tudo aquilo que queria de fora (porque só de fora é que conseguimos ter uma noção do conjunto e de tudo aquilo que ele carrega). Tudo me foi indiferente e decidi começar a caminhar. Defini que passaria alheia à angústia de todos aqueles que lutam para se mostrar e de todos os outros que apenas desejavam não ser vistos.


Caminhando, perante mim a cidade, perante mim as ruas, perante mim a selva infértil – filha do que fértil nunca foi e mãe do que fértil nunca será – porque só a vida arrasta vida consigo. Irracional, eu marcho não tendo nunca noção do chão que piso. E, à medida que caminho, a selva, vingando-se dos meus pensamentos e divagações, mostra alguns dos seus truques e armadilhas escondidas. Nunca revelando o seu pior segredo nem me deixando perceber que, um dia, aquelas pedras seriam o tudo e o nada para mim. Simplesmente porque as coisas são o espelho daquilo que nós somos. E eu, um dia, serei TUDO! E no fim? No fim, o NADA vai ser tudo aquilo que de mim resta…


E naquela rua fui caminhando, nunca percebendo que, a cada golpe, aquelas pedras me iam roubando a alma…


quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trust



Não considero que a confiança se adquira… não acho que isso realmente seja possível e que possamos, simplesmente, “ganhar” a confiança de alguém. Pondero, ao invés disso, que a confiança se perde: única e exclusivamente, ela perde-se.

E basta pensarmos um bocado para facilmente nos apercebermos disto. Pensemos na forma como a sociedade está organizada, pensemos nos nossos relacionamentos! Se tudo começasse com a desconfiança e não com a confiança, tudo seria muito diferente e bem mais hostil! Como conseguiríamos não viver atormentados e dormir bem de noite se não confiássemos até naqueles que nem conhecemos? Iniciaremos a questão com os nossos relacionamentos… Tenho um novo emprego e começo a trabalhar. Na empresa em que trabalho tenho de fazer várias tarefas em grupo, com outras pessoas. Se não confiasse nelas como conseguiria fazê-lo? Como iria para casa descansada ao fim do dia pensando que o meu colega poderia estar a minar todo o meu esforço? E para travar amizades? Se não confiássemos na pessoa como nos atreveríamos a criar a cada dia uma relação mais forte com ela? Agora, uma perspectiva mais abrangente e abstracta: como poderia comer arroz sem confiar nas pessoas que o fabricam e o transportam? Como poderia colocar o meu filho numa escola sem confiar nos profissionais que lá trabalham? Como poria o meu dinheiro num banco ou viajaria se não confiasse no bom desempenho de todas aquelas pessoas? Pessoas estas que eu nunca vi na minha vida e que não faço a mínima ideia de quem são…

Se a confiança se pude conquistar porque temos tanta dificuldade em reavê-la uma vez perdida? Teríamos apenas de repetir todo o processo…

Tudo na nossa vida e na nossa sociedade tem a mesma base: a confiança! Não defendo que a confiança seja sempre a mesma! A cada dia que conhecemos e convivemos mais com alguém vamos fortalecendo a confiança inicial! Mas tudo começa com ela…. O resto? O resto é apenas uma questão de a pessoa/instituição em causa corresponder ou não à confiança que, inicialmente, nela depositamos!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pessoa e Camões – a disforia da euforia


Camões e Pessoa produziram dois dos textos mais emblemáticos para a visão não só eufórica, mas também disfórica do povo português.

Dois objectivos, o género de texto que escrevem e 400 anos de história separam estes dois autores. Contudo, por mais altos que sejam os muros entre eles, nada conseguirá apagar ou destruir a grande ponte que os une: a alma lusitana e o orgulho na sua nação.

Apesar de ambas as obras nos apresentarem uma visão do povo português, a sua dissemelhança é, de todo, natural. Primeiramente, “Os Lusíadas” são uma epopeia, isto é, neles são narrados os grandes feitos do povo português, nomeadamente os Descobrimentos. Trata-se de uma narrativa factual e dinâmica que tem como principal objectivo glorificar Portugal. Por outro lado, “Mensagem” é uma obra épico-lírica, onde, ao invés de os feitos portugueses serem, simplesmente, narrados, são apenas utilizados como exemplos de glórias antigas. São, assim, poemas carregados de misticismo onde o autor idealiza um novo império português – um império espiritual. A euforia de Camões e a disforia de Pessoa (não sendo esta correspondência linear e imutável, como verão) advém, sobretudo, do Portugal em que viveram. Camões viveu num Portugal glorioso, um Portugal visto como uma das grandes potências Europeias pelos feitos há pouco tempo conquistados e pelas descobertas conseguidas. Pessoa, contrariamente, viveu num Portugal decadente, derrotado e cinzento; um Portugal que espera inactivo e cansado (viveu? Será que isto faz mesmo parte do passado?) a volta de um D. Sebastião que os leve, de novo, à ribalta. Ainda assim, é notória a preocupação a preocupação que Camões demonstra na sua obra quanto ao futuro de Portugal e quanto à manutenção do império territorial alcançado, bem como a esperança de Pessoa num novo, renovado e poderoso Portugal – “É a hora!” – frase com que Pessoa termina “Mensagem” e onde é clara a sua crença de que Portugal tem tudo o que necessita para ser uma grande nação.

Concluo, então, que ambos os textos são de extrema importância, pois a História de uma nação não se faz apenas de vitórias, mas também, e principalmente, de derrotas e momentos de decadência que necessitam ser superados.