“Precisamente, o declínio do princípio de cidadania e a incapacidade do Estado-nação em federar os indivíduos – fenómenos que se manifestam no aumento dos níveis de abstenção em eleições, no desinteresse pela vida cívica e pela participação política, na perda de credibilidade dos partidos e dos sindicatos – devem-se, em parte, ao surgimento dos comunitarismos. De facto, a base da vida em sociedade já não é a agregação e a assimilação de indivíduos ou cidadãos iguais, conscientes, voluntários, racionais, que partilham valores democráticos comuns, mas antes uma «socialidade» viscosa, ou seja, uma fusão de pessoas, de ordem sentimental, passional e emocional, dentro de comunidades fechadas sobre si mesmas, que se opõem umas às outras, que promovem modos de pensar exclusivos e exclusivistas, que ditam as suas regras dentro de territórios reais e simbólicos, desafiando assim as conquistas seculares do Estado-nação. Talvez seja necessário compreender que a estruturação social já não opera a partir de princípios abstractos e universais que ignoram por completo o multiculturalismo. Talvez seja necessário conceber o multiculturalismo, antes de mais, como a causa e o efeito de uma harmonia vivida de forma diferencial pelos diferentes grupos que compõem a sociedade. É precisamente aquilo que Louis Wirth, o eminente membro e pensador da Escola de Chicago, compreendeu ao estudar o gueto num livro publicado em 1928. «Os judeus (…), são arrastados para o gueto, pelas mesmas razões que levam os italianos a viverem numa Little Sicily, os negros num Black Belt e os chineses em Chinatowns. (…) A distância fìsica, que separa estes bairros de imigrantes daqueles que a população de origem ocupa, constitui simultaneamente uma medida da distância social e um meio de a manter. Isso não implica a hostilidade mútua que poderíamos supor, mas, pelo contrário, torna possível uma mútua tolerância. Estas áreas segregadas permitem aos imigrantes escapar ao antigo ditado segundo o qual “quando se está em Roma, é preciso comportar-se como romano” e confere-lhes a possibilidade de serem eles próprios. Mas o preço a pagar por essa liberdade e essa tranquilidade é a perda de todo o contacto íntimo com o outro grupo» (Wirth, 2006: 236).
É de todo natural que os crimes de honra, os casamentos forçados, as desfigurações das noivas com ácido, com intuitos possessivos, suscitem em nós a mais legítima aversão. Mas seria cegueira da nossa parte, não compreender que, a despeito de certas barbaridades, o grupo continua a representar, em sociedades altamente diferenciadas de um mundo cada vez mais globalizado, a melhor forma de protecção do indivíduo e constitui uma «fonte de vida sui generis» (Durkheim, 1978: XXX). A retracção sobre si, de natureza comunitária, na base de motivações religiosas, por parte de grupos étnicos que se encontram em situação de minoria constitui precisamente a forma mais eficiente de preservação desses grupos. Numa altura em que se fala da preeminência do individualismo em sociedades altamente diferenciadas e desigualitárias, e do declínio das instituições, desde a célula familiar até à estrutura estatal, «as denominadas “minorias étnicas” (…) parecem conservar de forma cabal o carácter adstritivo da pertença comunitária, a condição para a reprodução contínua da comunidade» (Bauman, 2006: 85).”
Jean-Martin Rabot
Jean-Martin Rabot, professor do módulo de Sociologia, escreveu acerca do tema «Pessoa, comunidades e multiculturalismos nas sociedades pós-modernas» um texto do qual retirei o excerto acima. Ao longo de 80 páginas formuladas em jeito de textos de apoio pedagógico, o professor disseca este e outros temas, tais como: «Pessoa e religiosidade nas sociedades pós-modernas»; «Pessoa e cibercultura nas sociedades pós-modernas»; «As famílias tribais nas sociedades pós-modernas»; e ainda «Os comportamentos de risco nas sociedades pós-modernas». Somos confrontados, ao longo de todo o texto, com uma visão fria, directa e concreta de um sociólogo que tenta expor sem qualquer complexo ou preconceito aquilo que é a sociedade actual e a forma como esta vive e se relaciona. Repleto de exemplos e de citações (de louvar e destacar a riqueza que estas acrescentam ao texto, na medida em que o suportam e fundamentam, trazendo, simultaneamente, uma outra concepção do que está a ser abordado) e despido de moralidade, os textos do professor Rabot obrigam-nos a contemplar de uma outra maneira aquilo que é a experiência da vida humana.
Este excerto é um dos de eleição, apesar de ter saboreado da maioria do escrito – mesmo não concordando com tudo. Espero que suscite em vós a admiração que suscitou em mim.
É de todo natural que os crimes de honra, os casamentos forçados, as desfigurações das noivas com ácido, com intuitos possessivos, suscitem em nós a mais legítima aversão. Mas seria cegueira da nossa parte, não compreender que, a despeito de certas barbaridades, o grupo continua a representar, em sociedades altamente diferenciadas de um mundo cada vez mais globalizado, a melhor forma de protecção do indivíduo e constitui uma «fonte de vida sui generis» (Durkheim, 1978: XXX). A retracção sobre si, de natureza comunitária, na base de motivações religiosas, por parte de grupos étnicos que se encontram em situação de minoria constitui precisamente a forma mais eficiente de preservação desses grupos. Numa altura em que se fala da preeminência do individualismo em sociedades altamente diferenciadas e desigualitárias, e do declínio das instituições, desde a célula familiar até à estrutura estatal, «as denominadas “minorias étnicas” (…) parecem conservar de forma cabal o carácter adstritivo da pertença comunitária, a condição para a reprodução contínua da comunidade» (Bauman, 2006: 85).”
Jean-Martin Rabot
Jean-Martin Rabot, professor do módulo de Sociologia, escreveu acerca do tema «Pessoa, comunidades e multiculturalismos nas sociedades pós-modernas» um texto do qual retirei o excerto acima. Ao longo de 80 páginas formuladas em jeito de textos de apoio pedagógico, o professor disseca este e outros temas, tais como: «Pessoa e religiosidade nas sociedades pós-modernas»; «Pessoa e cibercultura nas sociedades pós-modernas»; «As famílias tribais nas sociedades pós-modernas»; e ainda «Os comportamentos de risco nas sociedades pós-modernas». Somos confrontados, ao longo de todo o texto, com uma visão fria, directa e concreta de um sociólogo que tenta expor sem qualquer complexo ou preconceito aquilo que é a sociedade actual e a forma como esta vive e se relaciona. Repleto de exemplos e de citações (de louvar e destacar a riqueza que estas acrescentam ao texto, na medida em que o suportam e fundamentam, trazendo, simultaneamente, uma outra concepção do que está a ser abordado) e despido de moralidade, os textos do professor Rabot obrigam-nos a contemplar de uma outra maneira aquilo que é a experiência da vida humana.
Este excerto é um dos de eleição, apesar de ter saboreado da maioria do escrito – mesmo não concordando com tudo. Espero que suscite em vós a admiração que suscitou em mim.