segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sociologia em análise


“Precisamente, o declínio do princípio de cidadania e a incapacidade do Estado-nação em federar os indivíduos – fenómenos que se manifestam no aumento dos níveis de abstenção em eleições, no desinteresse pela vida cívica e pela participação política, na perda de credibilidade dos partidos e dos sindicatos – devem-se, em parte, ao surgimento dos comunitarismos. De facto, a base da vida em sociedade já não é a agregação e a assimilação de indivíduos ou cidadãos iguais, conscientes, voluntários, racionais, que partilham valores democráticos comuns, mas antes uma «socialidade» viscosa, ou seja, uma fusão de pessoas, de ordem sentimental, passional e emocional, dentro de comunidades fechadas sobre si mesmas, que se opõem umas às outras, que promovem modos de pensar exclusivos e exclusivistas, que ditam as suas regras dentro de territórios reais e simbólicos, desafiando assim as conquistas seculares do Estado-nação. Talvez seja necessário compreender que a estruturação social já não opera a partir de princípios abstractos e universais que ignoram por completo o multiculturalismo. Talvez seja necessário conceber o multiculturalismo, antes de mais, como a causa e o efeito de uma harmonia vivida de forma diferencial pelos diferentes grupos que compõem a sociedade. É precisamente aquilo que Louis Wirth, o eminente membro e pensador da Escola de Chicago, compreendeu ao estudar o gueto num livro publicado em 1928. «Os judeus (…), são arrastados para o gueto, pelas mesmas razões que levam os italianos a viverem numa Little Sicily, os negros num Black Belt e os chineses em Chinatowns. (…) A distância fìsica, que separa estes bairros de imigrantes daqueles que a população de origem ocupa, constitui simultaneamente uma medida da distância social e um meio de a manter. Isso não implica a hostilidade mútua que poderíamos supor, mas, pelo contrário, torna possível uma mútua tolerância. Estas áreas segregadas permitem aos imigrantes escapar ao antigo ditado segundo o qual “quando se está em Roma, é preciso comportar-se como romano” e confere-lhes a possibilidade de serem eles próprios. Mas o preço a pagar por essa liberdade e essa tranquilidade é a perda de todo o contacto íntimo com o outro grupo» (Wirth, 2006: 236).
É de todo natural que os crimes de honra, os casamentos forçados, as desfigurações das noivas com ácido, com intuitos possessivos, suscitem em nós a mais legítima aversão. Mas seria cegueira da nossa parte, não compreender que, a despeito de certas barbaridades, o grupo continua a representar, em sociedades altamente diferenciadas de um mundo cada vez mais globalizado, a melhor forma de protecção do indivíduo e constitui uma «fonte de vida sui generis» (Durkheim, 1978: XXX). A retracção sobre si, de natureza comunitária, na base de motivações religiosas, por parte de grupos étnicos que se encontram em situação de minoria constitui precisamente a forma mais eficiente de preservação desses grupos. Numa altura em que se fala da preeminência do individualismo em sociedades altamente diferenciadas e desigualitárias, e do declínio das instituições, desde a célula familiar até à estrutura estatal, «as denominadas “minorias étnicas” (…) parecem conservar de forma cabal o carácter adstritivo da pertença comunitária, a condição para a reprodução contínua da comunidade» (Bauman, 2006: 85).”
Jean-Martin Rabot

Jean-Martin Rabot, professor do módulo de Sociologia, escreveu acerca do tema «Pessoa, comunidades e multiculturalismos nas sociedades pós-modernas» um texto do qual retirei o excerto acima. Ao longo de 80 páginas formuladas em jeito de textos de apoio pedagógico, o professor disseca este e outros temas, tais como: «Pessoa e religiosidade nas sociedades pós-modernas»; «Pessoa e cibercultura nas sociedades pós-modernas»; «As famílias tribais nas sociedades pós-modernas»; e ainda «Os comportamentos de risco nas sociedades pós-modernas». Somos confrontados, ao longo de todo o texto, com uma visão fria, directa e concreta de um sociólogo que tenta expor sem qualquer complexo ou preconceito aquilo que é a sociedade actual e a forma como esta vive e se relaciona. Repleto de exemplos e de citações (de louvar e destacar a riqueza que estas acrescentam ao texto, na medida em que o suportam e fundamentam, trazendo, simultaneamente, uma outra concepção do que está a ser abordado) e despido de moralidade, os textos do professor Rabot obrigam-nos a contemplar de uma outra maneira aquilo que é a experiência da vida humana.
Este excerto é um dos de eleição, apesar de ter saboreado da maioria do escrito – mesmo não concordando com tudo. Espero que suscite em vós a admiração que suscitou em mim.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011

Bem, chegou mais um extraordinário dia de votações (de frisar que é o primeiro em que eu posso votar!) e, infelizmente, não vou puder dizer que foi a palhaçada do costume…. Isto porque, meu caros leitores, a palhaçada este ano foi ainda maior do que a habitual! Já é pelo menos a segunda vez que abordo este tema aqui no blog, contudo, desta vez não vim falar da estupidez da abstenção em geral… Desta vez, vim falar do absurdo que são os boicotes!
Como se já não bastasse o mau hábito que o povo português tem de faltar às urnas, este ano surgiu a moda de as boicotar! Fizeram-no de duas maneiras: ou fechando o sitio onde decorreriam as eleições ou apelando à abstenção através de manifestações à porta das urnas. A primeira situação é um verdadeiro atentado à liberdade dos outros e uma falta de respeito. Como se já não fosse disparate suficiente as pessoas considerarem que a abstenção é uma forma de protesto, ainda se julgam no direito de impedir os outros de o fazerem! Sempre por uma boa causa e pela luta interminável de direitos, claro! Quanto ao segundo ponto (não me querendo repetir nos argumentos supracitados), o que eu considerei mais cómico foi a parte em que os manifestantes se sentiam ofendidos e ultrajados por aqueles irresponsáveis traidores que tinham a magnifica ideia de votar! “MALANDROS! Por isso é que o país não vai para a frente!” A ridicularizar ainda mais toda esta situação está a causa dos boicotes. Desde a falta de rede no telemóvel à demora na finalização de uma capela mortuária, tudo serve de desculpa para faltar a este dever/direito. Extraordinário como este tipo de comportamento se assemelha às pequenas birras que fazem as crianças… Quanta inconsciência e prepotência para se achar que é com este tipo de atitudes que os problemas se resolvem. Além disso, o que tem o Presidente da República a ver com a maioria destas situações?
Isto é um círculo vicioso… Enquanto os políticos não se derem ao respeito e cumprirem honrosamente a sua função, o povo nunca terá deles uma boa visão e nunca levará a sério a política. Contudo, enquanto os portugueses não mudarem esta atitude mesquinha e mentalidade não teremos melhores políticos… É uma questão de causa-efeito e não sairemos disto enquanto continuarmos a brincar aos infantários!

P.S.: O Professor Cavaco Silva ganhou, não foi grande surpresa e fico contente com isso. Contudo, louvo a candidatura de Fernando Nobre – esteve muito bem. Quando ao Manuel Alegre, foi uma má aposta e os resultados provaram isso!